O uso da TCC para tratamento da Agorafobia

Entendendo a Agorafobia

A Agorafobia consiste em uma evitação persistente de situações vivenciadas como ameaçadoras, nas quais pode ser difícil escapar ou encontrar uma ajuda necessária. O medo experienciado pelo indivíduo é desproporcional ao perigo apresentado e seus sintomas podem causar diversos prejuízos funcionais, como, em casos mais extremos, o isolamento em ambientes considerados seguros (comumente a própria casa) (APA, 2013; Barlow, 2016; Schneider & Margraf, 2018).

O diagnóstico de Agorafobia raramente ocorre isolado, sendo comum a apresentação de outros quadros, como fobias específicas, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior e abuso de substâncias (ex.: álcool e medicamentos). Além disso, sem o tratamento adequado, os indivíduos tendem a apresentar uma piora, sendo cada vez mais presente a perda significativa da qualidade de vida (Barlow, 2016; Schneider & Margraf, 2018).

Durante muito tempo, principalmente antes da década de 1980, havia muita dificuldade para compreender e tratar a Agorafobia. Tais dificuldades foram superadas com o avanço dos modelos biopsicossociais e da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): hoje, existem diversas evidências sobre a efetividade do tratamento e de modelos explicativos adequados (Pompoli et al, 2018; Sánchez-Meca et al, 2010; Schneider & Margraf, 2018).

Dentre os modelos existentes, uma das abordagens mais influente para a compreensão e tratamento de fobias é representada por dois fatores: o condicionamento clássico e operante. Ele compreende que um estímulo neutro (ex.: shopping) é associado após um acontecimento traumático (ex.: desmaio) a um estado de medo e ansiedade motivacional central (condicionamento clássico) e reforçados pela consequente evitação a esses estímulos (condicionamento operante) (Schneider & Margraf, 2018). Um exemplo de um “círculo vicioso” da Agorafobia é apresentado na Imagem 1:

Imagem 1: modelo de “círculo vicioso” da Agorafobia
Imagem 1: modelo de “círculo vicioso” da Agorafobia

Além do ciclo experienciado pelos indivíduos, onde a esquiva aumenta o medo antecipatório, estudos mostraram que pacientes com ansiedade possuem maior facilidade para generalizar as reações aprendidas de medo a estímulos neutros que se assemelham aos estímulos condicionados e apresentam uma extinção reduzida das reações de medo.

Avaliação do transtorno

A avaliação da Agorafobia deve englobar os sintomas mais presentes, o significado destes sintomas e o prejuízo funcional acarretado. Além disso, deve-se atentar para as estratégias de enfrentamento adotadas pelo paciente, como quais são os comportamentos de busca de ajuda e se já houve tentativas anteriores de tratamento. Uma dificuldade na avaliação consiste no uso de questionários retrospectivos, pois os pacientes tendem a se lembrar dos eventos com um maior número de ataques e sintomas. Para contornar tal problema, é comumente utilizado um diário que deve ser preenchido logo após uma situação de Agorafobia, facilitando assim observar os estímulos do ambiente importantes para o aparecimento da sintomatologia, bem como os reais prejuízos funcionais. (Schneider & Margraf, 2018).

Por se tratar de um transtorno que pode apresentar muitas comorbidades, o diagnóstico diferencial deve ser realizado utilizando-se de entrevistas estruturadas, a fim de excluir outras possíveis causas, como psicoses, depressões, transtornos induzidos por substâncias ou de causas orgânicas (apesar de ser uma condição rara). (Schneider & Margraf, 2018).

Métodos de intervenção

A TCC tem sido apontada como uma das principais formas de intervenção para a Agorafobia. Uma das etapas importantes do processo consiste na psicoeducação, visto que comumente os indivíduos fazem exames médicos durante ou após episódios de crises e recebem recorrentemente o comunicado de que não possuem nada. Assim, quando procuram a psicoterapia, podem se sentir desesperançosos e necessitam saber o que realmente acontecem com eles. Uma explicação detalhada do quadro e do círculo vicioso da Agorafobia pode ajudar no engajamento do paciente, na relação terapêutica e no alívio de sintomas psicopatológicos. (Barlow, 2016; Pompoli et al, 2018; Sánchez-Meca et al, 2010; Schneider & Margraf, 2018).

Dentre os principais métodos de intervenção, estão a reestruturação cognitiva e a exposição intensiva aos estímulos eliciadores. A primeira forma de intervenção consiste em provocar uma ambivalência e encorajar o paciente a levantar dúvidas e perguntas, para assim modificar as crenças e pensamentos disfuncionais, advindos de uma interpretação errônea da situação de perigo. Um exemplo de pensamento recorrente é: “se eu desmaiar no shopping ninguém poderá me ajudar”. Já a exposição intensiva abarca experimentos comportamentais bem estruturados que visam modificar o repertório de esquiva, como evitar sair de casa ou utilizar de recursos ritualísticos de segurança (como precisar da companhia constante de um amigo para sair de casa).

É importante ressaltar que a exposição não deve ser feita quando envolver situações realmente perigosas ou caso exista um quadro clínico que possa trazer complicadores. (Barlow, 2016; Pompoli et al, 2018; Sánchez-Meca et al, 2010; Schneider & Margraf, 2018).

O planejamento da exposição deve ser personalizado para cada paciente, garantindo um contato real e livre de interferências com a situação que causa medo.

Algumas dicas para um bom planejamento são:

  1. Deve-se inicialmente combinar com o paciente sobre o que será feito.
  2. Comece pelas situações que desencadeiam níveis altos e médios de ansiedade e medo.
  3. Os exercícios devem ocorrer de modos variados em situações diversificadas.
  4. A ordem de exposição deve ser sequencial, evitando longos intervalos.
  5. Anote sobre a intensidade do medo e da ansiedade no início, durante e ao final da exposição, bem como se a situação temida realmente aconteceu.
  6. Garantir que o paciente irá buscar situações fóbicas sozinho após o tratamento. Através da exposição, é esperado que o paciente teste seus pensamentos e crie um novo repertório que iniba robustamente a situação temida.

(Barlow, 2016; Pompoli et al, 2018; Sánchez-Meca et al, 2010; Schneider & Margraf, 2018).

Por fim, vale ressaltar que muitos estudos já evidenciaram a eficácia do tratamento da Agorafobia pela TCC, utilizando principalmente a terapia por exposição. Os ganhos são observados a longo prazo tanto nos sintomas principais (ansiedade, medo e comportamento de esquiva) como no bem-estar geral e em outros âmbitos (ex.: trabalho e lazer). (Schneider & Margraf, 2018).


Referências:

American Psychiatric Association (APA) (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorder: DSM-5 (5th ed.). Washington: American Psychiatric Association.

Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (5th ed.). Porto Alegre: Artmed.

Pompoli, A., Furukawa, T. A., Imai, H., Tajika, A., Efthimiou, O., & Salanti, G. (2018). Psychological therapies for panic disorder with or without agoraphobia in adults: a network meta-analysis. BJPsych Advances, 24(01). DOI: 10.1192/bja.2017.15

Sánchez-Meca, J., Rosa-Alcázar, A. I., Marín-Martínez, F., & Gómez-Conesa, A. (2010). Psychological treatment of panic disorder with or without agoraphobia: A meta-analysis. Clinical Psychology Review, 30(1), 37–50. DOI: 10.1016/j.cpr.2009.08.011

Schneider, S., & Margraf, J (2018). Agorafobia e transtorno de pânico (2th ed.). São Paulo: Hogrefe.


Escrito por:

Willian de Sousa Rodrigues
Membro da ATC-Jovem
Graduando em Psicologia pela UFMG. Pesquisador membro do Laboratório de Avaliação e Intervenção na Saúde (LAVIS/UFMG). Atualmente é bolsista de Iniciação Científica do programa PIBIC/PROBIC do CNPq. Atua como estagiário voluntário do Espaço Integrar, realizando atendimentos psicoterapêuticos com TCC e avaliações psicológicas e neuropsicológicas.

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