Perfeccionismo: por quê estamos falando tanto nele?

Quando a psicologia é um tema, seja em redes sociais, eventos científicos, cursos de atualização ou em blogs como esse, o perfeccionismo vai aparecer como um dos assuntos abordados. Esse é um fenômeno novo, não era assim poucos anos atrás. O que aconteceu? Explico a seguir.

Primeiro, precisamos definir o termo. O perfeccionismo é uma característica de personalidade que diz da tendência de (1) colocar altos padrões de desempenho para si mesmo e (2) fazer duras e frequentes críticas a si mesmo (Stoeber, 2018). Ser uma característica de personalidade quer dizer que o perfeccionismo diz do jeito de ser de alguém, que ele influencia em muitas situações (mas não em todas) e que pode se manter por longos períodos de tempo. Pessoas com alto perfeccionismo tendem a cobrar muito de si mesmas, mais do que a maioria das pessoas. Por exemplo, na escola, quando a maioria dos alunos ficaria feliz com uma nota 9, um aluno com alto perfeccionismo pode ficar muito desapontado. Aí entra a segunda tendência perfeccionista mencionada acima: o autocriticismo. No nosso exemplo da escola, o aluno pode se avaliar muito negativamente, mesmo tirando uma nota que a maioria das pessoas consideraria como uma boa nota. Esse padrão acontece, em parte, porque o perfeccionismo é associado a crença (consciente ou não) de que é preciso ter um desempenho perfeito para que se tenha valor como pessoa e para que se receba afeto. Outro ponto importante é que o perfeccionismo é uma característica dimensional. Não se trata apenas de ser ou não ser, mas de níveis diferentes.

Acadêmicos e psicólogos escrevem sobre perfeccionismo desde a primeira metade do século passado. No entanto, foi só a partir da década de 1990, que o perfeccionismo começou a ser estudado de maneira científica (Smith et al., 2021). Isso aconteceu, em grande parte, devido a publicação dos primeiros instrumentos de medida com boa qualidade psicométrica. Então, vejam só, o estudo científico do perfeccionismo tem apenas 30 anos!

Como era de se esperar, o estudo científico do perfeccionismo levou a novas descobertas e as publicações sobre o tema vem aumentando exponencialmente. E é a relevância do conhecimento produzido nas últimas décadas a razão da sua recente “fama”. Abaixo um resumo das duas principais descobertas sobre o perfeccionismo, com destaque para sua relevância na clínica psicológica.

O perfeccionismo é um fator transdiagnóstico

Fatores transdiagnóstico são aquelas caraterísticas que (1) predizem o aparecimento de diversos sintomas e psicopatologias e (2) contribuem para a manutenção de diversas psicopatologias. A identificação desses fatores é especialmente importante para a psicologia porque nos ajuda a entender a alta comorbidade entre os transtornos e a razão pela qual uma mesma estratégia de intervenção pode funcionar para mais de um diagnóstico.

Evidências suportam que o perfeccionismo prediz e ajuda a manter os seguintes transtornos e/ou sintomas: automutilação,  ideação suicida, tentativa de suicídio, estresse, transtornos depressivos, transtornos ansiosos, transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos alimentares (Limburg et al., 2017).

Intervenções cognitivo-comportamentais são eficazes na redução do perfeccionismo

Evidências mostraram que intervenções focadas no perfeccionismo são não apenas eficazes na redução dos níveis de perfeccionismo, mas eficazes também na redução de sintomas de ansiedade, depressão e de transtornos alimentares. (Egan et al., 2014) Isso sugere que essas intervenções tem grande potencial! E, considerando uma situação de pandemia como a atual, uma boa notícia: evidências sugerem que intervenções cognitivo-comportamentais e baseadas em atenção plena (ou mindfullness) focadas em perfeccionismo são eficazes na redução de níveis de perfeccionismo e sintomas de ansiedade e depressão, na modalidade online e presencial. (Suh et al., 2019)

Último recado

Apesar da considerável quantidade de estudos sobre perfeccionismo nas últimas décadas, a área ainda tem algumas grandes perguntas sem respostas (Smith et al., 2021). Talvez o maior exemplo seja: existem situações nas quais o perfeccionismo é uma característica de personalidade “adaptativa”, associada apenas a desfechos positivos? Ao menos, uma certeza é que devemos continuar investigando e nos atualizando sobre o tema.

Referências:

Egan, S. J., Wade, T. D., Shafran, R., & Antony, M. M. (2014). Cognitive-behavioral treatment of perfectionism. The Guilford Press.

Limburg, K., Watson, H. J., Hagger, M. S., & Egan, S. J. (2017). The Relationship Between Perfectionism and Psychopathology: A Meta-Analysis. Journal of Clinical Psychology, 73(10), 1301–1326. https://doi.org/10.1002/jclp.22435

Smith, M. M., Sherry, S. B., Ge, S. Y. J., Hewitt, P. L., & Lee-Baggley, D. (2021). Multidimensional Perfectionism Turns 30: A Review of Known Knowns and Known Unknowns. Canadian Psychology. https://doi.org/10.1037/cap0000288

Stoeber, J. (Ed.). (2018). The psychology of perfectionism: Theory, research, applications. Routledge/Taylor & Francis Group.

Suh, H., Sohn, H., Kim, T., & Lee, D. G. (2019). A review and meta-analysis of perfectionism interventions: Comparing face-to-face with online modalities. Journal of Counseling Psychology, 66(4), 473–486. https://doi.org/10.1037/cou0000355


Escrito por:

Marina Luiza Nunes Diniz
Psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestre pelo PPG em Psicologia: Cognição e Comportamento da UFMG. Membro do Laboratório de Avaliação e Intervenção em Saúde (LAVIS/UFMG). Tem interesse em avaliação psicológica, psicologia das diferenças individuais, transtornos da personalidade, perfeccionismo, psicometria e terapia cognitivo comportamental.


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