Psicoterapia de Casal e Terapia Cognitiva: como intervir nas relações íntimas?

Sabemos que as dificuldades relacionais marcam com força nossas rotinas e modelam a qualidade de nossas vidas. As inter-relações íntimas supõem desenvolvimento de suportes afetivos que são bem vindos quando favorecem prazer e segurança, mas que podem ser, em contrapartida, motivo de sofrimento quando desorganizadas e estimuladoras de rejeições, medos e incertezas.

As relações amorosas merecem destaque pela sua complexidade, já que exigem maturidade e investimento constante dos parceiros no processo difícil de se ter uma conjugalidade saudável e prazerosa. Tal conjugalidade deve basear-se em uma parceria construída na convivência e envolve dos parceiros disponibilidade, receptividade e envolvimento emocional (Rizzon, 2019). 

As relações amorosas são vivenciadas, por muitas pessoas, como fonte de satisfação e realização pessoal, e a intimidade é buscada como meio de suprir necessidades de segurança, afeto e regulação emocional (Paim, Cardoso, Algarves & Behary, 2020). De forma geral, temos a necessidade de estabelecermos relacionamento íntimo através de apego seguro e conexão emocional (Scribel, 2020).

Os relacionamentos românticos, ou também denominados vínculos de par ou ainda relações afetivo-sexuais, envolvem a combinação de três sistemas comportamentais inatos: apego, cuidado e sexo (Johnson, 2012). Cada casal tem uma dinâmica própria de interrelação desses sistemas, que precisam ser organizados de maneira a propiciar relações satisfatórias e funcionais. 

O casamento é uma instituição importante e ainda muito frequente (IBGE, 2014), mas paradoxalmente os divórcios também o são (Portal Brasil, 2015). Esses dados nos implicam a pensar acerca da qualidade das relações conjugais estabelecidas e indicam a dificuldade em manter esse relacionamento de forma saudável e/ou resolver conflitos (Cardoso & Del Prette, 2017).

O momento atual de nossa sociedade é marcado por diferentes formas de ser casal as quais devem ser compreendidas descoladas de um modelo dominante de conjugalidade, seja no que diz respeito às práticas, seja enquanto um discurso normatizador dessas práticas. Existe uma diversidade de padrões relacionais que se apresentam no cenário das relações íntimas (Duarte & Cardoso, 2020). Cada casal é único e o entendimento da dinâmica relacional envolve flexibilidade, cuidado e conexão (Sardinha, Falcone & Ferreira, 2009).

Psicoterapia de casal: como acontece e como pode se traduzir em melhoria das relações amorosas?

Tradicionalmente, a intervenção individual é a abordagem das terapias cognitivas mais utilizada. Nas últimas décadas, todavia, ocorreu uma ampliação das possibilidades de intervenção e então as relações interpessoais passaram a ser mais enfatizadas e valorizadas dentro da prática clínica, o que exige do profissional da área muito estudo e atenção para questões complexas e multideterminadas (Dattilio, 2011).

A Terapia Cognitiva com casais envolve processos circulares que abarcam fatores cognitivos, afetivos e comportamentais (Scribel, 2020) sustentados em ampla teoria integrativa de relacionamento (Johnson, 2012) que permite ao profissional avaliar e intervir sobre temas multifacetados, complexos e dinâmicos: amor, pertencimento e convivência.

O processo psicoterapêutico com casais inexiste fora do viés colaborativo no qual a relação terapêutica se insere como fonte importante de avaliação e intervenção no auxílio para as buscas de aprimoramento da conjugalidade (Leitune & Risso, 2019).  O terapeuta, nestas condições, pode ser considerado como um catalisador de reações indispensáveis ao bom ajuste das relações amorosas e maior conexão afetiva. A relação terapêutica se coloca, portanto, como um recurso potente de avaliação e intervenção e o setting terapêutico deve proporcionar também segurança afetiva e conexão.

Então, nos atendimentos, desenvolvem-se estratégias voltadas para as peculiaridades do casal, visando a avaliação e reorganização de papéis e rotinas, o entendimento e readequação de contratos relacionais, assim como o enriquecimento da comunicação, foco importante das intervenções (Cardoso & Neufeld, 2018). A compreensão do contexto vivencial é importante para se desatar os nós que se apresentam no cotidiano conjugal, favorecendo a empatia e a compreensão.

Psicoterapia de casal é só quando o casal está em crise?

A intervenção que acontece quando o casal está em crise é um enfrentamento necessário e imediato das dificuldades quando estas assumem padrões agudos de comunicação disfuncional, violências, brigas constantes, traições (Cardoso, 2017; Rizzon, 2019). Essa intervenção inicial envolve o entendimento e avaliação da dificuldade descrita, a identificação de estressores ambientais e recursos pessoais e do casal, e principalmente, o estabelecimento de contratos comportamentais para evitarem ou diminuírem a comunicação aversiva (Dattilio & Freeman, 2004). O processo da psicoterapia de casal volta-se a partir daí para a construção de pontes e recomposição da comunicação e conexão afetiva segura.

Mas a intervenção em psicoterapia de casais não precisa estar vinculada especificamente a crises e disfunções comunicativas. Pode sim ser também espaço preventivo e de entendimento prévio de amarras cognitivas, emocionais e sociais que dificultam a aceitação recíproca e comprometem a convivência saudável e duradoura (Soma, Watarai & Silva, 2020). 

A abordagem com casais tem se ampliado e oferecido intervenções avaliativas e de promoção de habilidades conjugais e aumento da conexão emocional, partindo do pressuposto que as relações interpessoais podem ser compreendidas, desenvolvidas e reorganizadas (Cardoso & Del Prette, 2017). Assim, os casais têm a oportunidade de entender e dar novos significados para a dança interacional e crescem com suas experiências e com uma relação baseada na empatia, compreensão e colaboração. 

Além de ser voltado para unidades de conjugalidade, o entendimento da dinâmica relacional tem também um papel importante e estratégico em saúde mental e pode ser utilizado para ampliar as concepções sociais e afetivas acerca dos namoros, relações afetivos-sexuais gerais e também relações familiares e sociais mais amplas. Resumindo: a ampliação do entendimento de como nos relacionamentos com os outros e como nos conectamos afetivamente é fator de proteção da saúde mental e relacional (Baptista & Teodoro, 2012).

Referências:

Baptista, M. N. & Teodoro, M. L. M. (2012). Psicologia de família: teoria, avaliação e intervenção. Porto Alegre: Artmed.

Cardoso, B. L. A; Pain, K. (2020). Terapias Cognitivo-Comportamental para casais e famílias. Novo Hamburgo: Sinopsys.

Cardoso, B. L. A. & Neufeld, C. B. (2018). Conceitualização Cognitiva para Casais: Um Modelo Didático para Formulação de Casos em Terapia Conjugal. Revista Pensando Famílias, 22(2), 172-186.

Cardoso, B. L. A. (2017). Habilidades sociais e satisfação conjugal de mulheres em situação de violência perpetrada por parceiro íntimo. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Maranhão.    

Cardoso, B. L. A., & Del Prette, Z. A. P. (2017). Habilidades Sociais Conjugais: uma revisão da literatura nacional. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 19(2), 124-137. 

Cardoso, B. L. A. (2016). Uma proposta de intervenção cognitivo-comportamental focada em habilidades sociais conjugais. Monografia (Especialização em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental). Instituto WP. 

Dattilio, F, M. (2011). Manual de terapia cognitivo-comportamental para casais e famílias. Porto Alegre : Artmed.

Duarte, C. M. M. & Cardoso, B. L. A. (2020). Avaliação e Anamnese com Casais e Famílias. In: Cardoso, B. L. A; Pain, K. (2020). Terapias Cognitivo-Comportamental para casais e famílias. Novo Hamburgo: Sinopsys.

Leitune, C. & Risso, B. H. (2019). A relação terapêutica. In: Paim, K. & Cardoso, B. L. A. (2019). Terapia do esquema para casais: base teórica e intervenção. Porto Alegre: Artmed.

Paim, K. & Cardoso, B. L. A. (2019). Terapia do esquema para casais: base teórica e intervenção. Porto Alegre: Artmed.

Portal  Brasil  (2015).  Em  10  anos, taxa  de  divórcios  cresce  mais  de  160%  no  País.  Website.  Retrieved     from    http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/11/em-10-anos-taxa-de-divorcios-cresce-mais-de-160-no-pais

Rizzon, A. L. C. (2019). Infidelidade Conjugal: novidade do outro, alteridade do eu ou o amor velho que adoeceu? In: Paim, K. & Cardoso, B. L. A. (2019). Terapia do esquema para casais: base teórica e intervenção. Porto Alegre: Artmed.

Sardinha, A., Falcone, E. M. O., & Ferreira, M. C. (2009). As relações entre a satisfação conjugal e as habilidades sociais percebidas no cônjuge. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(3), 395–402. doi:10.1590/S010237722009000300013

Scribel, M. C. (2020). Terapia Cognitivo-Comportamental com Casais: Integrando Abordagens. In: Cardoso, B. L. A; Pain, K. (2020). Terapias Cognitivo-Comportamental para casais e famílias. Novo Hamburgo: Sinopsys.

Soma, S. M. P., Watarai, C. F. & Silva, A. R. S. (2020). Projeto Tartarina: Uma estratégia de prevenção à violência contra criança e adolescentes. In: Cardoso, B. L. A; Pain, K. (2020). Terapias Cognitivo-Comportamental para casais e famílias. Novo Hamburgo: Sinopsys.


Escrito por:

Francesca Stephan
É psicóloga da Clínica Entre Laços: Psicologia e Educação continuada (Juiz de Fora\MG). É mestre e doutora em Psicologia na área de Processo Psicossociais e Saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora membro do NEVAS - Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (UFJF\CNPq). É Docente e orientadora de estágio no curso de Psicologia da Centro Universitário Governador Ozanam Coelho - UNIFAGOC\Ubá e de cursos de especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental nas abordagens a famílias e casais. É psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistêmica e Terapia Cognitiva Sexual. Associada à ATC- MG. Psicoterapeuta da família, casal, grupos e comunidades. Atendimentos presenciais e on-line.


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