Terapia Cognitivo-Comportamental com Idosos: Uma possibilidade

Todos vamos envelhecer! Essa é uma certeza que temos com o passar dos anos em nossas vidas e, no Brasil, quase 10% da população já tem 65 anos ou mais (IBGE, 2020). Para se ter uma ideia, em números absolutos, são mais de 21 milhões de brasileiros idosos ou idosas. Nesse grupo, há uma diversidade muito grande de pessoas com histórias de vida bem diferentes umas das outras. Alguns nasceram na zona urbana, outros na zona rural. Alguns possuem doenças crônicas há muitos anos, outros não tem doenças crônicas. Ou seja, os idosos não são iguais entre si, algo similar à diversidade presente em todas as fases da vida.

Contudo, quando pensamos na saúde dos idosos, principalmente na saúde mental, é comum pensarmos automaticamente que todos estão deprimidos, com problemas crônicos de saúde e são inflexíveis em relação às opiniões e visões sobre si e sobre o mundo. Desse modo, considerando o estereótipo de serem inflexíveis e de terem dificuldade em mudar, de que maneira a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) poderia ser utilizada como abordagem psicoterapêutica com idosos?

Antes de pensar sobre as formas do terapeuta cognitivo-comportamental atuar com idosos, é importante conhecer melhor o envelhecimento e a psicoterapia com idosos. O envelhecimento implica em alterações físicas, fisiológicas e cognitivas. Os idosos costumam passar por perdas comuns a todos da faixa etária, chamadas de perdas normativas. Algumas delas são: redução da velocidade de processamento de informações, que leva a alterações no funcionamento cognitivo; redução da força muscular, que pode alterar a mobilidade; mudanças em aspectos sensoriais, como audição e visão, que impactam a comunicação e aprendizagem; entre outros. Entretanto, é importante ressaltar que, ao contrário do que se verifica no senso comum, mecanismos de regulação emocional, estratégias de enfrentamento, flexibilidade em processos terapêuticos e a continuidade do funcionamento psicossocial se mantêm na velhice, mesmo que passem por mudanças se comparados a outras fases da vida. (Fontes, 2015).

Considerando os aspectos cognitivos, as alterações mais comuns estão relacionadas às funções chamadas de fluidas, que dependem muito do funcionamento biológico do nosso cérebro, como a velocidade de processamento, a atenção, a memória operacional, a memória episódica e o raciocínio (Diamond, 2013; Fontes, 2015). Enquanto funções que dependem da aprendizagem ao longo da vida, como o conhecimento sobre o mundo e os fatos e parte da linguagem, são funções que começam a declinar apenas a partir dos 80 anos (Fontes, 2015). Parte da redução do funcionamento cognitivo reduz-se ao com o passar dos anos devido à redução de velocidade de processamento. Como há aspectos que dependem da aprendizagem acumulada, o desenvolvimento do idoso é: heterogêneo, multidirecional, multidimensional e não-linear. Ou seja, os idosos são diferentes entre si também no funcionamento cognitivo!

Paralelamente às perdas normativas, é possível que perdas não-normativas, ou seja, aquelas que não são iguais para todos, impliquem em redução da funcionalidade diária, da independência nas tomadas de decisão e da autonomia em ir e vir. Bem como, podem ocorrer quadros de transtornos neurocognitivos, como as demências, que alteram totalmente a vida dos idosos e de familiares. Além desses, transtornos de humor, como a depressão, e de ansiedade também podem estar presentes. Embora sejam doenças encontradas na população idosa, elas não estão presentes na maioria dos idosos, sendo que, por exemplo, a depressão é menos comum em idosos do que em jovens (Aziz & Steffens, 2013). Isto não deve ser uma justificativa para não tratar dos sintomas quando eles surgem, mas é uma forma refletir sobre o estereótipo de que a velhice e a depressão são duas condições que sempre estão juntas. Na verdade, a depressão e os demais transtornos não são “normais” e precisam de atenção quando ocorrem.

Em relação à psicoterapia com idosos, apesar de não ser algo bem estabelecido nas referências nacionais, a área possui algumas diferenças em relação àquela com adultos mais jovens. A American Psychological Association (APA, Associação Americana de Psicologia) estabeleceu recomendações gerais sobre a atuação do psicólogo com adultos idosos. Uma das queixas comuns, por parte dos psicólogos, para não atender idosos é não se considerar qualificado, com conhecimento e habilidades suficientes (Brickman et al., 2014). Desse modo, essas diretrizes são importantes tanto para psicoterapeutas cognitivos-comportamentais quanto para outras abordagens. Algumas recomendações relacionam-se ao conhecimento acerca das questões que atravessam o envelhecimento, por exemplo, as especificidades geracionais, as crenças do idoso e de sua rede de apoio sobre o envelhecimento, os conhecimentos sobre geriatria e gerontologia. Enquanto outras estão mais ligadas às atitudes do terapeuta e as alterações necessárias ao oferecer um tratamento psicoterápico a idosos.

Tendo em mente alguns estereótipos comuns sobre a velhice, os aspectos desenvolvimentais e as especificidades da psicoterapia com idosos, pode-se começar a pensar em uma TCC que considere os idosos e as idosas como possíveis candidatos à terapia.

Terapia Cognitivo-Comportamental com Idosos e Idosas

A TCC tem como precursor o psiquiatra Aaron T. Beck que, ao observar seus pacientes deprimidos, percebeu que havia um fluxo de pensamentos pouco relatado, mas que precediam um estado emocional desagradável. A partir disso, o autor estabeleceu uma teoria incipiente da TCC e realizou vários estudos empíricos sobre a validade dos seus pressupostos. Contudo, nos estudos iniciais, a idade máxima da amostra era 53 anos (Evans, 2007). Os estudos, que havia idosos em suas amostras, começaram a ser realizados a partir dos anos de 1980 para investigar a eficácia da TCC em idosos com sintomas de depressão e, no início dos anos 1990, para a eficácia em sintomas de ansiedade em idosos. Percebe-se, assim, que ainda é uma área recente e com muito potencial para ser explorada dentro das terapias cognitivo-comportamentais.

Tais estudos começaram a levantar mudanças a serem feitas no processo terapêutico: modificações procedimentais e modificações no conteúdo da terapia (Evans, 2007). Aspectos que serão apresentados a seguir.

Modificações Procedimentais

Figura 1: Modificações Procedimentais da TCC com idosos.

As modificações procedimentais são mudanças relacionadas ao ambiente terapêutico, aos aspectos práticos das sessões de psicoterapia e às alterações desenvolvimentais do envelhecimento que atravessam o processo. As primeiras mudanças nos idosos a serem lembradas são, geralmente, as cognitivas, que podem influenciar todo o processo. Por exemplo, uma idosa com dificuldade em manter a atenção conseguirá armazenar as informações discutidas durante os 50 minutos de sessão? Pode ser que não fiquem tantos elementos memorizados. Na avaliação inicial, alguns desses declínios podem ser investigados com testes de rastreio, como o Mini Exame do Estado Mental. Para o processo, há algumas sugestões pertinentes no manejo terapêutico, como repetir as informações para reforçar o processo de aprendizagem e a melhor lembrança das sessões; adotar várias modalidades na proposição das intervenções terapêuticas, como gravações e materiais audiovisuais; utilizar cadernos e agendas nas sessões e pedir ao idoso que faça anotações. Também é possível que alterações sensoriais, como perdas auditivas e da acuidade visual, estejam presentes. Utilizar materiais escritos em negrito e buscar um apoio de outros profissionais são sugestões interessantes.

As mudanças da saúde física podem ser questões trazidas por idosos, pois é um período em que não se tem mais as mesmas condições físicas nem se consegue executar tarefas do dia-a-dia na mesma velocidade que antes. Portanto, ter em mente as possíveis avaliações negativas e distorções cognitivas do próprio paciente em relação as suas limitações é um fator relevante. Ainda, as metas terapêuticas devem ser acordadas com o cliente de forma realista. Tanto as alterações citadas quanto outras dificuldades do idoso em se expressar no ambiente terapêutico tradicional, como nos consultórios, podem requerer alternativas para o setting terapêutico. Realizar o atendimento em domicílio, em Instituições de Longa Permanência ou enfermarias podem ser novas possibilidades.

Modificações do Conteúdo da Terapia

Figura 2: Modificações do Conteúdo da Terapia em TCC com idosos.

Por sua vez, as modificações do conteúdo da terapia são mudanças que precisam ser feitas diretamente nas intervenções cognitivo-comportamentais com idosos. A principal modificação a nível de intervenção são as propostas de elementos a serem adicionados à conceitualização de caso. Algumas informações extras são importantes, como: crenças de coorte, atividades significativas, as relações intergeracionais e a saúde física. As primeiras referem-se a crenças compartilhadas pelas pessoas que nasceram na mesma época. Como exemplo, podemos citar os Baby Boomers que, hoje, estão se tornando idosos e foram a primeira geração a vivenciar mudanças comportamentais e de paradigmas sociais, como a revolução sexual, a redução do tamanho das famílias, as mudanças do mundo do trabalho. Essas experiências podem impactar significativamente o processo terapêutico por influenciar a visão sobre o outro, sobre o mundo e sobre si desses idosos.

Enquanto isso, as atividades significativas correspondem àquelas que possuem relevância, propósitos e despertam o interesse dos idosos. Por representar um momento de transição, as mudanças (talvez compulsórias) das áreas de investimento de interesse podem acarretar sofrimento e problemas emocionais. Por fim, é necessário incluir na conceitualização aspectos sobre as relações intergeracionais do idoso. Quais são os papeis que ele ou ela ocupa em suas famílias, em seu trabalho, na sociedade? Como isso é percebido pela pessoa que está em terapia? Juntamente a isso, o contexto sociocultural deve ser considerado, visto que pode ser atravessado por estereótipos negativos internalizados sobre o envelhecimento.

Quanto às cognições, é comum que os problemas mais comuns de trazer o idoso à terapia sejam perdas, como luto e a perda. Luto pelo falecimento do (a) cônjuge, familiares e amigos. Já as perdas estão ligadas aos contatos e redes sociais que não mantém contato frequentemente seja pelo próprio luto ou por mudanças endereço, por exemplo. As perdas podem ser mais simbólicas, como o modo de perceber as mudanças dos papeis sociais, a aposentadoria e as próprias relações intergeracionais. Mesmo que a TCC seja uma abordagem com enfoque no presente, relações do passado mal resolvidas e reflexões sobre objetivos não alcançados podem ser outros aspectos relacionados às cognições. Identificar as atribuições e os significados dessas perdas pode ser um ponto de partida para identificar formas alternativas e mais adaptativas para intervir terapeuticamente. Lembre-se: a ruminação dessas perdas pode contribuir para o desencadeamento de quadros depressivos, que não são normais no envelhecimento.

Outras cognições que precisam de atenção são aquelas relacionadas à discriminação etária, ou ageísmo. Segundo a Organização Mundial da Saúde ( Word Health Organization, WHO, 2018), o ageísmo é o “preconceito e discriminação contra as pessoas com base na idade”. Algumas crenças, como “envelhecer é uma coisa terrível”, “velhice significa perdas”, “todos os idosos são iguais”, são exemplos corriqueiros da discriminação etária. Na TCC, pode ser um objetivo do terapeuta desafiar tais mitos sobre o envelhecimento a partir da psicoeducação e da reestruturação cognitiva com o idoso, bem como pautar-se no empirismo colaborativo como forma de combater esses estereótipos negativos.

Com base nisso, pode-se destacar aspectos sobre as crenças do paciente e do próprio terapeuta. Muitos idosos acreditam que são “muito velhos para mudar” por terem internalizado crenças consequentes dos estereótipos negativos internalizados sobre a velhice. A passividade e a dependência são crenças que devem ser combatidas ao trabalhar colaborativamente a flexibilização de que ele deve se engajar ativamente no processo e atribuir ao seu esforço o alcance das metas terapêuticas.  Outras crenças comuns referem-se ao estigma que alguns idosos têm em relação aos transtornos e à saúde mental, além da visão estereotipada de que terapeutas mais jovens não saberão conduzir o processo terapêutico. Já o terapeuta precisa automonitorar-se para que crenças disfuncionais como “os idosos não aprendem novos comportamentos”, “idosos são inadequados”, “os velhos são inferiores”. Pois, tais crenças podem levar a uma inflexibilidade sobre as possíveis mudanças esperadas no processo terapêutico.

Último Recado

Trabalhar com idosos pode ser um desafio no início. Contudo, a aprendizagem do processo nos traz reflexões e quebras de paradigmas e preconceitos que podem, inclusive, refletir no nosso modo de ver o mundo. Então, é importante estar aberto ou aberta às novas possibilidades e se lembrar que a cada dia que passa estamos: envelhecendo!

Referências:

Aziz, R., & Steffens, D. C. (2013). What Are the Causes of Late-Life Depression? Psychiatric Clinics of North America, 36(4), 497–516. https://doi.org/10.1016/j.psc.2013.08.001

Brickman, A. M., Edelstein, B., Vacha-haase, T., Hiroto, K., Zweig, R., & Uni-, Y. (2014). Guidelines for Psychological Practice with Older Adults. American Psychologist, 69(1), 34–65. https://doi.org/10.1037/a0035063

Diamond, A. (2013). Executive Functions. Annual Review of Psychology, 64(1), 135–168. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-113011-143750

Evans, C. (2007). Cognitive–behavioural therapy with older people. Advances in Psychiatric Treatment, 13(2), 111–118. https://doi.org/10.1192/apt.bp.106.003020

Fontes, A. P. (2015). Desenvolvimento na Velhice: Fundamentos para Psicoterapeutas. In E. R. Freitas, A. J. G. Barbosa, & C. B. Neufeld (Eds.), Terapia Cognitivo-Comportamentais com Idosos (pp. 25–54). Sinopsys.

Instituto Brasileiro de Gegrafia e Estatística (IBGE). (2020). Projeção da população. Recuperado de https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/. Acessado em 14. out. 2020.

World Health Organization (WHO) (2018). Ageism. Recuperado de https://www.who.int/ageing/ageism/en/ . Acessado em 14 out. 2020.


Escrito por:

Luiz Alves Ferreira Junior
Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Colaborador no Laboratório de Avaliação e Intervenção em Saúde (LAVIS/UFMG), na área de avaliação e intervenção cognitiva, e membro do Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia de Idosos (PROEPSI/UFMG) no ambulatório de avaliação neuropsicológica de idosos. Atua nas áreas de avaliação neuropsicológica e psicoterapia cognitivo-comportamental com adultos e idosos.


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