RO-DBT: Uma terapia para o supercontrole

Estamos vivendo em uma era na qual as palavras “produtividade", “metas", “motivação", “autocontrole", “vencedor", “alcançar", “esforço", “rotina", “hábito" estão se tornando pilares de toda uma cultura. Trata-se de se dedicar a grandes realizações, passar horas e dias a fio planejando meticulosamente o que se fará para atingir o próximo grande objetivo, verificar compulsivamente se tudo está indo de acordo com o plano, espionar frequentemente nossos possíveis “adversários", abdicar daqueles prazeres de curto prazo que fazem parte da vida em favor de metas de longo prazo e ser elencado como modelo humano para a sociedade toda vez que alcançamos esses sucessos. Ao mesmo tempo, a vida está passando e vivê-la de um modo que controle é tido como única base para se sentir seguro nos afasta de uma leveza, de uma espontaneidade e de uma conexão especiais que fazem valer a pena compartilhar essa existência com aqueles que estão ao nosso redor.

A Terapia Comportamental Dialética – Radicalmente Aberta (Radically Open Dialectical Behavior Therapy) é uma terapia baseada em evidências para a depressão crônica resistente a tratamento com transtorno de personalidade comórbido e para a anorexia nervosa. Criada por Thomas Lynch, a RO-DBT é baseada em pesquisas que ligam a expressão das emoções à formação de vínculos sociais de longo prazo, necessários durante a evolução para a sobrevivência da espécie humana, tribal por natureza. Nesse texto, você terá uma visão geral da RO-DBT, não sobre as adaptações específicas dela para depressão e anorexia.

Originária da DBT, que foi desenvolvida por Marsha Linehan para o tratamento de transtornos ligados a desregulação emocional, instabilidade e baixo controle inibitório, a RO-DBT está voltada para o tratamento do hipercontrole desadaptativo. Nas sociedades modernas, há uma tendência muito forte a valorizar o autocontrole, baseando-se em uma ideia errônea de que quanto mais uma pessoa é capaz de inibir impulsos e desejos, adiar gratificação em favor de metas de longo prazo e controlar variáveis em sua vida, mais ela será feliz. Na língua alemã, a pergunta “está tudo bem?" pode ser feita da seguinte forma: “alles in Ordnung?" (“tudo em ordem?"), tal é a ligação entre bem estar e ordem. Porém, quando há um excesso de controle inibitório, o preço costuma ser alto: é a solidão emocional. Vive-se para completar tarefas de uma forma perfeccionista e perde-se de vista que a sensação de estar conectado com os outros é tão importante quanto ter sucesso, estar certo ou parecer ótimo diante do olhar (real ou imaginado) que os outros teriam em relação à nós. Uma metáfora usada na RO-DBT é que a relação entre controle e bem estar psicológico não é linear, ou seja, não é tendo mais controle que temos maior bem estar psicológico. Trata-se na verdade de uma curva normal, em que tanto a ausência quanto o excesso de controle são prejudiciais ao bem estar psicológico.

De acordo com a teoria biossocial da RO-DBT, um biotemperamento de alta sensibilidade ao risco e baixa sensibilidade à recompensa interage com uma criação em ambiente invalidante que valoriza a inibição das emoções e reforça o autocontrole, o perfeccionismo e a obediência a regras. Desse modo, emergem os 4 déficits do hipercontrole: baixa abertura, baixa flexibilidade, expressão emocional inibida e baixa conexão social. Pessoas com transtornos do hipercontrole costumam ter um comportamento rígido governado por regras, com foco excessivo em detalhes, cautela exagerada, desejos obsessivos por estrutura, estabilidade e ordem, alta certeza moral, sensação aumentada de obrigação social, compulsão por consertar o que está “errado", além de serem muito perfeccionistas. Ademais, costumam inibir as emoções e a vulnerabilidade quando seria apropriado expressá-las e comumente mascaram e dissimulam a expressão corporal das emoções (por exemplo, fechando a cara quando o adequado seria sorrir ou o inverso), o que diminui a conexão social, porque os outros passam a percebê-la como inautêntica, o que diminui a confiabilidade necessária para formar laços próximos. Desse modo, os relacionamentos pessoais são marcados por uma reserva e um distanciamento que nada tem a ver com a intimidade. Os relacionamentos que não são pessoais, por sua vez, são marcados pela comparação social, gerando muita inveja e amargura, porque sempre há alguém cujo desempenho foi melhor em algum aspecto da vida. A teoria biossocial da RO-DBT nos lembra que parte desse cenário se dá porque a sensibilidade ao risco é tão predominante nessas pessoas que o sistema neurobiológico de segurança social que nos permite formar conexões raramente está ativado.

O que, então, a RO-DBT propõe para lidar com os déficits do supercontrole? Aumentar a conexão social por meio da abertura radical, a nossa “cola tribal" que nos permite ser humildes para aprender com o sofrimento e com a vida. Para a RO-DBT, a abertura radical é aquilo 1) que nos permite receber as informações do ambiente que não confirmam nossas crenças e pressupostos sem tentar nos defender, 2) que nos permite ser flexível para entender que nem sempre estamos certos e que agir de acordo com o contexto pode ser mais interessante do que agir de acordo com regras e 3) que nos permite nos conectar com os outros, porque a história da nossa espécie nos mostra que a conexão é fundamental para nossa sobrevivência. Para a RO-DBT, não devemos estimular os pacientes, como na DBT clássica, a aceitarem a realidade radicalmente, mas sim a se abrirem radicalmente. Assim como coloca Thomas Lynch, “não vemos a realidade como ela é, mas sim como nós somos" (Lynch, 2018).

Com a finalidade de aumentar a sinalização social, a qual, por sua vez, levará a formar conexões sociais significativas e a uma vida que vale a pena ser compartilhada, a RO-DBT, assim como a DBT clássica, inclui um treinamento de habilidades de abertura radical, mindfulness, expressão emocional e efetividade interpessoal, além da terapia individual.

No treinamento de habilidades, temos o componente B (behavioral, comportamental) do tratamento, pois ele visa a instalar, via princípios da Análise do Comportamento, habilidades que modelem respostas efetivas em relação à sinalização social, como expressar emoções e vulnerabilidade quando o contexto é apropriado, o que permite a formação de vínculos por criar intimidade. Comportamentos supercontrolados podem ter sido reforçados ao longo da vida, pois “fechar a cara" pode ter levado outra pessoa a suprimir um feedback negativo (reforçamento negativo) e mascarar emoção e a vulnerabilidade pode ter sido valorizado como “ser forte" (reforçamento positivo).

Além disso, no treinamento de habilidades, temos o componente D (dialectical, dialético) do tratamento, já que a RO-DBT enfatiza que, de um ponto de vista de abertura radical, não há uma verdade imodificável sobre a realidade, na qual há sempre tensões, sendo algumas dialéticas desse formato terapêutico as de 1) confiar em si mesmo com abertura para o que não confirma as expectativas e desconfiar de si mesmo sem desmoronar ou abrir mão de todos os valores e 2) apreciar regras e espontaneidade ao mesmo tempo. O pensamento dialético vai na contramão do pensamento rígido.

No treinamento de habilidades da RO-DBT, temos um conjunto de habilidades de Mindfulness baseadas não no budismo Zen (cujo foco é aceitação da realidade), mas sim no Sufismo Malamati. Os malamatis estavam interessados no questionamento de suas percepções autocentradas da realidade. Na RO-DBT, o objetivo é cultivar uma dúvida saudável nos pacientes. A prática de Mindfulness da autoinvestigação é caracterizada por ser curta (não durar mais que 5 minutos) e focar no questionamento das próprias percepções, sem imediatamente rejeitar ou adotar uma postura defensiva. O foco é sempre nas perguntas, não em obter respostas. Quando o cliente se engajou em uma ruminação obsessiva de autoquestionamento, as perguntas que se devem fazer são: “por que é tão importante para mim encontrar uma resposta?", “por que será que devo encontrar uma resposta para isso?", “será que de fato há uma resposta?".

A habilidade de autoinvestigação está fortemente relacionada aos estados da mente de pacientes supercontrolados. Diferentemente da DBT clássica, a RO-DBT não propõe a mente sábia (síntese da mente emocional com a mente racional), pois os estados da mente de pacientes borderline são fundamentalmente diferentes dos estados da mente de pacientes supercontrolados. No Mindfulness da RO-DBT, abordam-se em dois estados opostos: a mente fixa e a mente fatalista. A mente fixa é aquela que minimiza, descarta, ignora qualquer feedback do ambiente que desafia as crenças e expectativas anteriores ou que gera incerteza, porque a mente fixa quer manter um senso inabalável de que tudo está “sob controle" e “em ordem". A mente fixa diz: “eu só posso confiar em mim". A mente fatalista é aquela que expressa a sensação de desmoronamento dado pela sensação de ausência total de controle, como se fôssemos derrotados completamente pelo ambiente e não houvesse nada a se fazer. A mente fatalista diz: “eu não posso confiar em mim". A síntese proposta pela RO-DBT é a mente flexível, porque ela incorpora a dialética de confiar em si mesmo e desconfiar de si mesmo, de modo que estamos radicalmente abertos a questionar as nossas percepções da realidade e a abrir mão do controle e, ao mesmo tempo, conseguimos manter um senso de segurança e confiança nos nossos próprios valores.

Tanto o formato do treinamento de habilidades quanto a terapia individual recebem modificações específicas para as características dos pacientes supercontrolados. No treinamento, enfatiza-se aos pacientes que não pratiquem habilidades nas quais já têm bom desempenho simplesmente porque foram passadas como tarefas de casa e que o treinamento não é uma competição para ver quem é “melhor" em abertura radical, expressão emocional ou autoinvestigação.

Na terapia individual, as mudanças são maiores. Na RO-DBT, o humor é fundamental na terapia com pacientes supercontrolados. Esses pacientes costumam levar a vida muito a sério e é comum que pressionem as pessoas ao redor para que se comportem dessa maneira em relação a eles. O estilo terapêutico da RO-DBT é marcado por uma dialética entre irreverência brincalhona e gravidade compassiva. A primeira é um estilo de provocação bondosa que o terapeuta adota toda vez que o paciente tem uma sinalização social que esconde intenções e oculta demandas. A segunda é adotada toda vez que o cliente se torna mais aberto, cândido em relação a suas emoções e engajado de forma genuína na terapia. Por causa do estilo dos pacientes, não se espera na RO-DBT que a aliança terapêutica esteja formada antes de 14 sessões. Como é muito comum no caso desses pacientes que o cliente tente fugir do conflito, todas as rupturas da aliança terapêutica são vistas como oportunidades de crescimento e acolhidas como parte da terapia. A hierarquia do tratamento também difere da DBT clássica, sendo ela 1. Comportamentos que ameaçam a vida (suicídio), 2. Rupturas na aliança terapêutica e 3. Sinalização social supercontrolada e desadaptativa.

A RO-DBT é uma terapia recente, mas que está acumulando uma base progressiva de evidências a seu favor, tornando seu tratamento promissor para os transtornos do supercontrole, como a anorexia e o transtorno de personalidade obsessivo compulsiva ou anancástica. É importante conhecer e divulgar esse modelo que pode ajudar tantos pacientes cujo sofrimento não é tão óbvio aos nossos olhos (por não ser tão dramático quanto o sofrimento de pacientes borderline) e cujas características desadaptativas, como o supercontrole, estão frequentemente sob regime de reforço intermitente na nossa cultura.

Referências

Luoma, J. B., Codd, III, R. T., & Lynch, T. R. (2018). Radically Open Dialectical Behavior Therapy (RO DBT): Shared features and differences with ACT, DBT, and CFT. The Behavior Therapist, 41, 142-149.

Hempel, R., Vanderbleek, E., & Lynch, T. R. (2018). Radically open DBT: Targeting emotional loneliness in Anorexia Nervosa. Eating Disorders, 26(1), 92–104. doi:10.1080/10640266.2018.1418268

Lynch, T. R. (2018). Radically open dialectical behavior therapy: Theory and practice for treating disorders of overcontrol. New Harbinger Publications.


Escrito por:

Francisco Ximenes
Psicólogo formado pela UFMG (04/64404), membro da Associação Mente Compassiva Brasil (AMCB) e do Espaço Integrar - Família e Escola em Belo Horizonte, onde faz parte do Núcleo de Terapias Contextuais. É psicoterapeuta dentro das abordagens cognitivas e comportamentais e treinador de habilidades em DBT. Tem um Instagram profissional de Psicologia (@franciscoximenes.psi).


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