A psicologia na saúde do profissional de emergências

A população de Minas Gerais vem passando por momentos difíceis nos últimos anos. Em janeiro de 2019, uma barragem de rejeitos de minério da Vale se rompeu em Brumadinho, deixando centenas de mortos. Em 2020, estamos vendo uma nova catástrofe. As fortes chuvas que atingiram o estado deixaram vítimas fatais, além de famílias desabrigadas e vivendo em situação precária.

Morador abraçado com o Bombeiro em Brumadinho/MG
Morador abraçado com o Bombeiro em Brumadinho/MG – Foto: Twitter @Bombeiros_MG

Podemos afirmar que as pessoas afetadas pelo rompimento da barragem em Brumadinho e pela destruição causada pelas chuvas viveram eventos traumáticos. Estamos nos referindo àquelas pessoas que tiveram suas vidas colocadas em risco, perderam amigos e parentes de forma abrupta ou testemunharam cenas em que houve morte ou risco de morte de pessoas. Em resumo, as vítimas. Mas além das vítimas há grupos de trabalhadores que estão vulneráveis aos eventos traumáticos, dada a natureza do trabalho que exercem. Dentre eles, gostaríamos de falar um pouco mais sobre os bombeiros de Minas Gerais.

Os bombeiros vivenciam diariamente situações extremas no trabalho que envolvem riscos à integridade física para si mesmos, para os colegas e para as vítimas que estão em atendimento. No entanto, eles não são vítimas nestas situações, pois têm treinamento técnico para enfrenta-las e possuem características que funcionam como aspectos protetores da saúde. Como psicólogos da área da Saúde do Trabalhador, sabemos que a exposição ocupacional a eventos traumáticos pode contribuir para acidentes e adoecimento psíquico.

Por isso, o nosso desafio cotidiano é planejar e colocar em prática intervenções organizacionais associadas a ações assistenciais e de vigilância em saúde mental dos bombeiros com o intuito de prevenir problemas e tratar precocemente os casos de adoecimento. Dentre as práticas, consideramos relevante oferecer informações sobre os estressores no trabalho, sobre a associação dinâmica entre eles e sintomas de transtornos mentais, em especial, o estresse pós-traumático.

Incluímos a oportunidade de discutir estratégias de como lidar com os eventos ocupacionais traumáticos de maneira funcional e como reconhecer o momento de procurar um psicólogo. Estas atividades são realizadas em reuniões nas diversas unidades de trabalho do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

Em relação à vigilância em saúde mental, há dois programas que garantem avaliações psicológicas periódicas por meio de instrumentos de rastreio de sintomas, o Programa de Saúde Ocupacional (PSO) e o Estudo da Saúde do Bombeiro (ESB). O primeiro é uma proposta institucional em que todos os bombeiros passam por uma avaliação psicológica, médica e odontológica bienalmente. Já o segundo, refere-se a uma iniciativa desenvolvida em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para o acompanhamento longitudinal de três coortes acompanhadas a partir do momento em que os novos profissionais são admitidos na instituição.

A proposta é que tal seguimento continue até o final de suas carreiras. No presente momento, o ESB acompanha cerca de 1.500 bombeiros pertencentes às coortes de 2014, 2017 e 2020. Nos dois programas, aqueles identificados como possíveis casos de transtorno mental comum, depressão, ansiedade, TEPT, entre outros, passam por uma avaliação clínica e recebem recomendações de acompanhamento psicoterápico ou de avaliação por outros profissionais. Espera-se que o PSO e o ESB forneçam informações epidemiológicas sobre o trabalho e a saúde dos bombeiros e permitam o desenvolvimento de programas de prevenção ao adoecimento mental eficazes.


Para conhecer um pouco mais sobre os projetos de pesquisa em andamento no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, ver as seguintes publicações:

Teoh, K. R. H., Lima, E., Vasconcelos, A., Nascimento, E., & Cox, T. (2019). Trauma and work factors as predictors of firefighters’ psychiatric distress. Occupational Medicine, 69 (8-9), 598-603. doi: 10.1093/occmed/kqz168
Lima, E. P.; Vasconcelos, A.G.; Barreto, S. M.; Assunção, A. A. (2016). Lista de eventos traumáticos ocupacionais para profissionais de emergências: adaptação e validação. Avaliação Psicológica, 15,391-401.
Vasconcelos, A.G.; Lima, P. E. (2019). Focus on practice – Experience as psychologists the role in the tragedy of the Brumadinho dam collapse. The Occupational Health Psychologist: Bulletin of the European Academy of Occupational Health Psychology, 8 -11, 12.


Alina Gomide Vasconcelos
Doutora em Neurociências
Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Doutora em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou residência pós-doutoral na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade de Londres – Birkbeck. Pesquisadora nas áreas de psicometria, saúde do trabalhador e transtorno de estresse pós-traumático. Atualmente, é psicóloga do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Atualmente, é pesquisadora vinculada ao Laboratório de Avaliação e Intervenção e Saúde (LAVIS-UFMG) e do Centre for Sustainable Working Life (Universidade de Londres) e atua como psicóloga no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.
Eduardo de Paula Lima
Doutor em Saúde Pública
Psicólogo, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais. Realizou residência doutoral na Université Laval e residência pós-doutoral na Universidade de Londres – Birkbeck. Pesquisador nas áreas de saúde do trabalhador, epidemiologia, trauma e profissionais de emergências. Atualmente, é pesquisador vinculado ao Laboratório de Avaliação e Intervenção e Saúde (LAVIS-UFMG) e do Centre for Sustainable Working Life (Universidade de Londres) e atua como psicólogo no Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais.

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